29.05.2009, Joaquim Jorge, no Público
A vida tem de ter lugar para o lazer e não só para o trabalho: permitir a vida familiar, a amizade, a prática das artes.
Quantas pessoas vão cada dia trabalhar sentindo que o que fazem não tem sentido, não vale a pena, não é reconhecido ou não é reconhecido como deveria ser? As pessoas não se sentem realizadas. Centenas ou milhares? As pessoas estão despidas interiormente, a infelicidade laboral que nos leva a pensar que o trabalho é uma prisão, em que passam a maior parte do tempo a olhar para o relógio, o que fazem carece de sentido. (...) Cada um de nós revê-se facilmente em Sísifo, ao realizar pequenas rotinas do dia-a-dia, ao deparar-se com problemas repetitivos e inúteis, ao confrontar-se com o sofrimento, etc.
Estes pensamentos lembram-me outros. Por exemplo: que devemos trabalhar menos para viver melhor. Sou contra a busca obsessiva de "mais, mais e mais e cada vez mais". Outras gostam do que fazem, mas não como, nem com quem. Há sempre tanto para fazer que não há outro remédio que viver stressado. A tentativa das empresas para obterem lucros e benefícios não pode ter um crescimento perpétuo. (...) O objectivo é o poder aquisitivo que é enganoso e reduz as pessoas "à dimensão de consumidoras". Deve-se procurar mudar a organização e melhorar a repartição do trabalho. Não é aceitável que alguns empresários e administradores de empresas ganhem várias centenas de milhares de vezes mais do que o salário dos seus trabalhadores. Deve ser permitido às pessoas terem uma vida mais equilibrada e que dê lugar ao lazer e não só à vida laboral: que permita a vida familiar, a participação na comunidade onde vivemos, a vida associativa, a prática de artes, a actividade política, o cultivo das amizades, etc.
(...) O excesso de crescimento interfere nas condições ambientais, sociais e humanas. Devemos anteciparmo-nos e mudar de direcção. Se não o fizermos, será a recessão contínua e o caos. Temos de crescer em humanidade, tendo em conta todas as dimensões que constituem a riqueza humana. É preciso acabar com a ideia que crescimento é progresso e a situação sine qua non de um desenvolvimento justo.(...)
Devolver o protagonismo às pessoas e o espírito crítico frente ao modelo dominante "mais, mais e mais e cada vez mais". Substituir um crescimento estritamente económico por um "crescimento em humanidade". É um desafio que se deve tentar. E por vezes não fazer nada, para começarmos a fazer aquilo de que gostamos e nos dá prazer.
Biólogo. Fundador do Clube dos Pensadores (jota.jota@sapo.pt)
Comentário:
Nas universidades há pessoas felizes, mas há também uma grande dose de infelicidade laboral. Existe a infelicidade de se fazer uma imensidão de coisas rotineiras e pouco relevantes, porque "tem que ser", porque o emprego depende da quantidade de coisas que fazem parte de uma lista a que se chama currículo. A expressão "fazer currículo" sugere a ideia de currículo como um fim em si mesmo, quantas vezes desligado de uma actividade genuinamente relevante e pessoalmente significativa. A pressão é grande e por isso desenvolvem-se certos expedientes para acrescentar "mais uma linha no currículo", como se diz.
E há também a infelicidade de não se ser capaz de "digerir" essa forma de estar, dos que preferem fazer aquilo em que acreditam interiormente, em vez de entregarem a sua vida a desígnios destituídas de sentido para si - por isso resistem.
Em ambos os casos há muito atrito, logo, uma grande dose de energia dissipada: energia utilizada de forma não produtiva, sem possibilidade de ser reutilizada, ou seja, energia desperdiçada.
A noção de produção/produtividade científica soa frequentente a coisa muito estranha. Por exemplo, um trabalho de grande fôlego que precise de uns 3 anos para vir à luz do dia, é no final "apenas" uma publicação, depois de 3 anos não produtivos (o autor poderá eventualmente vir a publicar depois de despedido). Mas 3 anos com muitos pequenos fragmentos de investigação científica publicados é uma grande produção.
Será que é no afã de uma produtividade métrica que as grandes ideias encontram terreno fértil para emergirem, se elaborarem e resultarem em realizações científicas/humanas de grande relevo? As ideias frescas requerem o tempo e a serenidade de espírito que são cada vez mais escassos.
E o que é que os grandes desafios de hoje nos pedem? Investir no que nos está imediatamente à frente do nariz ou no que tenha um horizonte de mais largo alcance?
Maior felicidade laboral nas universidades passará certamente por maior espaço para a diversidade de estilos e filosofias de vida académica: o pendor de mais curto prazo de uns não deverá ser incompatível com a protensão reflexiva e de mais longo prazo de outros. E assim se cumprirá melhor a função da Universidade.
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