quarta-feira, 31 de março de 2010

"Suicidou-se outro professor"

"Não consigo viver neste sofrimento, não suporto ouvir falar de escola. Não vou conseguir dar mais aulas." Esta frase é extraída da carta que José António Fernandes Martins escreveu à mulher antes de se suicidar. Era professor de Matemática e Ciências da Natureza na Escola EB 2,3 de Vouzela e pôs termo à vida no início do presente ano lectivo. José António era um professor experiente, apaixonado pela sua profissão.

terça-feira, 30 de março de 2010

Criminalizar o bullying


A Ministra da Educação e o Ministro da Justiça acolheram bem a proposta do PGR de criminalizar o bullying, no âmbito da violência escolar: está em preparação uma iniciativa legislativa. http://www.publico.pt/Educação/tipificacao-de-bullying-como-crime-na-violencia-escolar-vai-avancar_1430170

Mas, já que se vai legislar, seria bom que se pensasse de uma forma mais profunda sobre a complexidade do bullying (assédio moral), em todas as suas formas de expressão na sociedade, incluindo a que é praticada por adultos contra adultos, para, por exemplo, impedir que o mérito de alguém se destaque da mediania ou mesmo mediocridade circundantes - a very typical portuguese practice! Desta estúpida ciumeira que destrói, sem olhar a meios, tudo o que possa elevar-se acima de um cinzentismo mesquinho, resulta um país.... muito desenvolvido... Especialmente em Educação estamos... muito bem..., porque a inovação avança com vigor, pelas escolas, pelas universidades, pelas empresas, por toda a sociedade... Viva Portugal e os verdugos da Inteligência!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ética, humanismo e economia

No Publico, 24/03/10

O economista César das Neves explica logo no início (...): “Ser boa pessoa, como todos sabemos, nunca é coisa que se consiga daquela forma que os executivos usam para conseguir as outras coisas. Por isso, não se pode resumir, simplificar, mecanizar”.

Num momento em que a crise financeira e económica faz salpicar milhares de vezes a palavra “ganância” por textos jornalísticos, ensaístos, humorísticos e de restante natureza; um trabalho sobre ética parece vir a propósito. Sobretudo quando nem todo os “Madoff” que pululuam pelo mundo estão numa barra de tribunal ou a caminho dela. César das Neves é claro: a ética não serve para atingir a perfeição, serve para ser boa pessoa. Isto é, com falhas e erros pelo caminho, o sucesso do empresário mede-se pela actuação no sentido de fazer o melhor possível
.

Comentário:
É bem um sinal dos tempos que seja um economista a debruçar-se sobre o tema da ética num livro de 574 páginas. Nas relações de trabalho, em muitas instituições e organizações, a falta de ética vai-se tornando a norma e pugnar pela ética é ser remetido à condição de excluído. Muita muita gente tenta dissimular a primazia dos seus poderes e interesses particulares, insinuando que é na ponta da chibata que está a elevada produtividade e o interesse geral. Os “Madoff”, não apenas desse ponto de vista, mas igualmente do ponto de vista da honestidade e transparência em todas as esferas de actuação, não se movimentam apenas no mundo das finanças e nas empresas... Os "Madoff" são todos aqueles que ocupando lugares de relevo em qualquer domínio de actividade, exercem as suas funções sem ética nem moral, corroendo desse modo o tecido humano e organizacional, com grave prejuízo para o desenvolvimento da actividade humana em que se movimentam. A ética, para além de um valor fundamental de uma sociedade humanista, é hoje mais do que nunca um problema da economia, no seu sentido mais lato. A tecnologia como valor supremo aliena o Homem e faz-nos regredir civilizacionalmente. É nos valores humanos fundamentais - a dignidade humana, a justiça, a liberdade, a solidariedade... - que teremos que retomar o processo civilizacional, libertando a criatividade, a imginação e a capacidade de sonhar do espírito humano, para fazer face à complexidade dos tempos que vivemos. Não se trata da "inovação" na sua vulgar conotação científico-tecnológica de que tanto se fala; é algo muito para além disso que o Homem de hoje precisa.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Professor vítima de bullying preferiu morrer ...

Notícia do Público

http://www.publico.pt/Educa%C3%A7%C3%A3o/professor-vitima-de-bullying-preferiu-morrer-a-voltar-ao-9%C2%BA-b_1426720

Luis não avisou ninguém do acto radical. Mas radicalizou, segundo a família e os colegas, os apelos junto da direcção da escola para que resolvesse a indisciplina, em particular naquela turma. Fez várias participações que não terão tido seguimento.
(…)
Alguns, sob anonimato, asseguram, tal como a família, que Luís era alvo de bullying e estava "profundamente desesperado e deprimido".
(..)
Outra aluna, a única que, no fim das aulas, ficava para trás para conhecer melhor o silêncio de Luís, lamenta a partida "prematura" e arrepende-se de não ter ficado mais tempo a conversar com ele. "Tive medo do que as pessoas podiam dizer se me aproximasse. Sinto-me muito mal por não ter ajudado mais. Uma vez arrancámos-lhe um sorriso. Quando sorria era outra pessoa."
(…)
A irmã descreve a profunda tristeza do professor nos últimos meses, ao longo dos quais "desabafou muito" com os pais, com quem ainda vivia. Nunca deu indícios do acto. Foram encontrados, depois da morte, no seu computador. "Se o meu destino é sofrer dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim - e não tendo eu outras fontes de rendimento -, a única solução apaziguadora será o suicídio." A frase encontrada não deixa dúvidas. Há vários desabafos escritos em alturas diferentes que convivem lado a lado com as participações…

Neste blog:
http://liberdadeuminho.blogspot.com/2008/07/sero-essas-pessoas-normais.html
http://liberdadeuminho.blogspot.com/2009/03/podem-passar-mil-anos.html
http://liberdadeuminho.blogspot.com/2010/02/o-assedio-moral-na-primeira-pessoa.html

quinta-feira, 11 de março de 2010

Resolver situações de ameaça, de conflito ou agressão

Notícia do Público
A ministra da Educação disse que apresentará em breve uma iniciativa legislativa específica para combater a ocorrência de fenómenos de “bullying” nas escolas portuguesas, dando aos directores de escola a possibilidade de "suspenderem preventivamente alunos que tenham provocado agressões”.

“Com essa decisão o aluno agressor poderá ser imediatamente afastado da situação de contacto com o aluno agredido. Queremos resolver rapidamente situações de ameaça, conflito ou agressão, sem prejuízo de medidas disciplinares que se instaurem no momento em que há este tipo de situações nas escolas”, apontou Isabel Alçada.

http://www.publico.pt/Educação/escolas-com-mais-poderes-para-suspender-agressores_1426619

terça-feira, 9 de março de 2010

A Avaliação de Desempenho dos Docentes: um contrato de (des)confiança?

Parnas enumera e comenta uma série de vícios e distorções que esta forma de avaliar [regular e subordinada ao critério da quantidade] está a disseminar pela sua comunidade científica, nomeadamente: incentiva a investigação superficial, incentiva a constituição de grupos de trabalho demasiado grandes em que os académicos mais seniores põem o seu nome nos artigos de todos os estudantes e jovens investigadores; incentiva a repetição; incentiva estudos pequenos e insignificantes; recompensa a publicação de ideias incompletas (half-baked). (…) E isto faz toda a diferença e é esta pressão que está a corromper o processo de publicação e a discussão verdadeiramente científica no seio da comunidade académica.
Teresa Alpuim

Este texto de Teresa de Alpuim (que teve divulgação universal nas listas da UM), apresentado num debate promovido pelo SNESup no Instituto Superior Técnico, é importante em qualquer altura, e é especialmente oportuno nestes dias que antecedem a implementação da Avaliação de Desempenho dos Docentes. Entra em profundidade no debate que importa travar, ao contrário de outros debates que não o chegam a ser, onde tudo o que é verbalizado está bem balizado nos estreitos limites da cultura institucional dominante, e muitos dos silêncios são a expressão do indizível que vai na mente das pessoas.

O número de Professores Catedráticos na UM é de 81 num total de 1153 (7%) e serão esses docentes os avaliadores. Tendo sido assinado recentemente um contrato de confiança entre a UM e o MCTES, é particularmente pertinente perguntar se a Avaliação de Desempenho dos Docentes será dentro da instituição um contrato de confiança ou um contrato de desconfiança.

O que vejo é uma generalizada inquietação e sentimento de impotência perante a avalanche avaliadora. Alguém expressava há dias o que lhe vai na alma nestes termos: “vamos passar a trabalhar com uma pistola apontada à cabeça”. As inquietações estão focadas em três aspectos essenciais: a) preocupação quanto ao futuro profissional individual; b) confusão quanto ao modo como saber conduzir-se neste novo quadro, de modo o poder “safar-se”; c) preocupação com o previsível agravamento das relações inter-pessoais (aumento de conflitualidade) e com a expectável degradação da atmosfera no contexto de trabalho.

No inquérito* que foi distribuído a todos os docentes da UM, em Maio de 2009, ao qual responderam 290 (25,1%), perguntava-se que percepção de importância têm, nas práticas da instituição, diferentes factores para efeito de progressão na carreira (escala: nada importante; pouco importante, importante, muito importante). Somadas as percentagens de importante e muito importante obtiveram-se os seguintes resultados: 1º - Actividade de investigação (89,4%); 2º- Pertença a grupos de influência (73%); 3º - Actividade de gestão (63%); 4º - Antiguidade na categoria/instituição (61,7%); 5º - Laços familiares ou de amizade (51,6%); 6º - Actividades de extensão (45,7%); 7º - Actividade de ensino (37,4%).

Naturalmente cabe perguntar se têm os docentes razões para acreditar que será de modo diferente na Avaliação de Desempenho.

Sobre a capacidade de gestão de conflitos, por parte das lideranças académicas, a soma das percentagens presente e muito presente é de 39,5% (pouco presente/nada presente: 60,5%). E na sua perspectiva pessoal, 96,7% dos docentes consideram ser importante/muito importante que as lideranças tenham essa capacidade. Ou seja, há uma percepção de conflitualidade muito acentuada e um forte desejo de que a mesma seja atenuada, por via da acção das lideranças.

Ainda sobre as lideranças académicas, apenas 39,2% consideram estar presente/muito presente o sentido de justiça no seu modo de actuação (pouco presente/nada presente: 68,4%); e 99% dos docentes consideram importante/muito importante que as lideranças actuem com sentido de justiça. Na caracterização do clima profissional, apenas 37,9% consideram estar presente/muito presente a justiça nas decisões sobre a profissão/carreira (pouco presente/nada presente: 62,1%) e 97,2% consideram importante/muito importante que haja justiça nessas decisões. Há uma forte percepção de injustiça e uma grande aspiração de que se pratique a justiça na UM, no que diz respeito às decisões sobre a vida profissional.

É neste quadro que estamos em via de avançar para aplicação da Avaliação de Desempenho, cuja proposta de regulamento em discussão, prevê a figura de recurso por parte do avaliado, quando discorde da avaliação. Todavia, nas respostas ao inquérito a que me tenho vindo a referir, apenas 27,5% consideram presente/muito presente a existência de instâncias de recurso fiáveis (pouco presente/nada presente: 72,5%); em contraste, 91,1% dos docentes considera importante/muito importante a sua existência. Esta percepção dos docentes não pode deixar de colocar em situação muito crítica a desejável credibilidade de que o recurso, no âmbito da Avaliação de Desempenho, possa efectivamente funcionar no sentido da reparação das injustiças que venham a ocorrer.

Estas são as percepções de um número muito significativo de docentes da UM, expressas na segurança e tranquilidade que o preenchimento de um inquérito anónimo garante. O seu significado é uma realidade incontornável na vida da academia, por mais esforços que se façam para reduzir a nada os sentimentos profundos das pessoas. Precisamos todos de nos compenetrar da necessidade de fazer algo para melhorar este panorama geral de insatisfação. Os decisores sobre a Avaliação de Desempenho devem interrogar-se seriamente se o passo que vamos dar vai contribuir para o agravamento desta situação. Se for essa a direcção, nada de bom poderá resultar para a vida das pessoas, para a qualidade do ensino e da investigação e para a instituição em geral. A qualidade do ensino está fundamentalmente no ser professor (é possível produzir evidências) e a qualidade da investigação é produto do pensamento e reflexão profundos.

É preciso dissipar os sentimentos que tolhem o pensamento, a criatividade e o entusiasmo das pessoas no trabalho. É necessário garantir que a selecção dos avaliadores seja muito criteriosa; deverão ser pessoas íntegras, com uma conduta académica eticamente irrepreensível aos olhos de todos. Essa é uma condição fundamental para gerar o indispensável sentimento de confiança dos docentes face ao processo de avaliação de que vão ser alvo.

*Projecto de investigação Representações da Vida Académica – um estudo na Universidade do Minho, inscrito no CIEd.

Joaquim Sá