sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O que os agressores não conseguem imaginar!

Christophe Dejours deu uma entrevista ao Público que suscita séria reflexão sob vários pontos de vista. Apresento aqui alguns excertos acompanhados de algumas notas pessoais que emergem da experiência de assédio moral a que tenho resistido, ao longo de muitos anos. As consequências desse processo sobre mim são devastadores em todos os aspectos da minha vida.
http://www.publico.pt/Sociedade/um-suicidio-no-trabalho-e-uma-mensagem-brutal_1420732

Christophe Dejours, psiquiatra, psicanalista e professor no Conservatoire National des Arts et Métiers, em Paris, dirige ali o Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Acção – uma das raras equipas no mundo que estuda a relação entre trabalho e doença mental. Esteve há dias em Lisboa, onde, […] falou do sofrimento no trabalho. Não apenas do sofrimento enquanto gerador de patologias mentais ou de esgotamentos, mas sobretudo enquanto base para a realização pessoal. Não há “trabalho vivo” sem sofrimento, sem afecto, sem envolvimento pessoal, explicou. É o sofrimento que mobiliza a inteligência e guia a intuição no trabalho, que permite chegar à solução que se procura. [Mas acrescenta] que no outro extremo da escala, nas condições de injustiça ou de assédio que hoje em dia se vivem por vezes nas empresas, há um tipo de sofrimento no trabalho que conduz ao isolamento, ao desespero, à depressão. No seu último livro, publicado há uns meses em França e intitulado Suicide et Travail: Que Faire? , Dejours aborda especificamente a questão do suicídio no trabalho, que se tornou muito mediática com a vaga de suicídios que se verificou recentemente na France Télécom.
(…)
Christophe Dejours conta que em 2006-207 Houve cinco suicídios consecutivos; quatro atiraram-se do topo de umas escadas interiores, do quinto andar, à frente dos colegas, num local com muita passagem à hora do almoço. Mas um deles – aliás de origem portuguesa – não se suicidou no local do trabalho. Era muitíssimo utilizado pela Renault nas discussões e negociações sobre novos modelos e produção de peças no Brasil. Foi utilizado, explorado de forma aterradora. (…) A dada altura, teve uma depressão bastante grave e acabou por se suicidar.

A viúva processou a Renault, que em Dezembro acabou por ser condenada por “falta imperdoável do empregador” [conceito do direito da segurança social em França], por não ter tomado as devidas precauções. Foi um acontecimento importante porque, pela primeira vez, uma grande multinacional foi condenada em virtude das suas práticas inadmissíveis. Os advogados do trabalho apoiaram-se muito nos resultados científicos do meu laboratório. O acórdão do tribunal tinha 25 páginas e as provas foram consideradas esmagadoras. Havia e-mails onde o engenheiro dizia que já não aguentava mais – e que a empresa fez desaparecer limpando o disco rígido do seu computador. Mas ele tinha cópias dos documentos no seu computador de casa. A argumentação foi imparável.

Nota pessoal: Eu, há muitos anos percebi que tinha que organizar bem a minha defesa face ao plano que se orquestrava contra mim. Tenho um imenso dossier, recheado de provas irrefutáveis, do qual fazem parte variadíssimas queixas e participações envidadas para todas as entidades internas e externas que entendi serem competentes para lhes dar o devido encaminhamento… sem consequências; um argumento recorrente para nada se fazer tem sido a famigerada "autonomia"... da universidade, da escola, do departamento. Os prevaricadores continuam cínicos na sua impunidade.

Público: Mas o assédio no trabalho é novo?
C.D. Não, mas a diferença é que, antes, as pessoas não adoeciam. O que mudou não foi o assédio, o que mudou é que as solidariedades desapareceram. Quando alguém era assediado, beneficiava do olhar dos outros, da ajuda dos outros, ou simplesmente do testemunho dos outros. Agora estão sós perante o assediador – é isso que é particularmente difícil de suportar. O mais difícil em tudo isto não é o facto de ser assediado, mas o facto de viver uma traição – a traição dos outros. Descobrimos de repente que as pessoas com quem trabalhamos há anos são cobardes, que se recusam a testemunhar, que nos evitam, que não querem falar connosco. Aí é que se torna difícil sair do poço, sobretudo para os que gostam do seu trabalho, para os mais envolvidos profissionalmente.

Nota pessoal: Por experiência própria, eu posso testemunhar que é exactamente assim; é terrivelmente doloroso ver quase toda gente fugir... Isso é orquestrado de forma a poder-se difundir um argumento adicional: é ele o problema e não todos os outros. Deixei de suportar estar no meu gabinete de trabalho (os comentários e gargalhadas de escárnio eram insuportáveis), refugiei-me em casa e finalmente pedi para mudar de gabinete para outra área. Foi a natureza do meu trabalho e o empenho que nele eu pus que ameaçou poderes instalados e colocados no lugar errado. Eu investiguei os processos de aprendizagem das crianças trabalhando com elas, na sala de aula, durante muitas centenas de horas. Quantos universitários da educação o fazem? Em variadas publicações tenho dado testemunho do fascínio que sobre mim exercem o potencial criativo e de aprendizagem das crianças e tenho sublinhado quão pouco lhes é dado aprender face ao muito que está ao alcance delas[ http://geniociencia.blogspot.com/ ].

Público: Qual é o perfil das pessoas que são alvo de assédio?
C.D. São justamente pessoas que acreditam no seu trabalho, que estão envolvidas e que, quando começam a ser censuradas de forma injusta, são muito vulneráveis. Por outro lado, são frequentemente pessoas muito honestas (…). Portanto, quando lhes pedem coisas que vão contra as regras da profissão, (…) recusam-se a fazê-las. (…) E em vez de ficarem caladas, dizem-no bem alto. Os colegas não dizem nada, já perceberam há muito tempo como as coisas funcionam na empresa, já há muito que desviaram o olhar. Toda a gente é cúmplice. Mas o tipo empenhado, honesto e algo ingénuo continua a falar. Não devia ter insistido. E como falou à frente de todos, torna-se um alvo. O chefe vai mostrar a todos quão impensável é dizer abertamente [certas] coisas…

Um único caso de assédio tem um efeito extremamente potente sobre toda a comunidade de uma empresa. Uma mulher está a ser assediada e vai ser destruída, uma situação de uma total injustiça; ninguém se mexe, mas todos ficam ainda com mais medo do que antes. O medo instala-se. Com um único assédio, consegue-se dominar o colectivo de trabalho todo. Por isso, é importante, ao contrário do que se diz, que o assédio seja bem visível para todos. Há técnicas que são ensinadas, que fazem parte da formação em matéria de assédio, com psicólogos a fazer essa formação.

Nota pessoal: É evidente que acredito muito no meu trabalho; é evidente que nunca fui cúmplice com o que repugnava à minha deontologia científico-académica. Eu teria que renunciar a tudo aquilo em que acreditava de forma convicta e isso era anular-me, não o podia fazer. É evidente que a forma como tenho sido tratado serviu de “exemplo” para muita gente. O medo de uns e o corporativismo de outros, no topo da hierarquia, deixou campo aberto para que tudo pudesse acontecer. Foi até possível que, há cerca de um ano, uma directora apresentasse um requerimento, que foi enviado para a Inspecção-Geral do Ensino Superior, para me submeterem a uma Junta Médica para que eu fosse dado como desequilibrado mental. A Inspecção fez as suas averiguações e nem deu importância a solicitação tão sórdida, mas perante a minha indignação pelo “diagnóstico” gratuito, foi-me sugerido que no final consultasse o processo e poderia extrair cópias para me defender noutras instâncias. Desloquei-me a Lisboa e foi o que fiz. Alguém consegue imaginar o sofrimento psicológico a que está sujeita uma pessoa que é rotulada de "louco", como expediente para ser eliminado profissionalmente, e ver esse processo assumir foros de uma acção institucional?

Público: Voltando ao perfil do assediado, é perigoso acreditar realmente no seu trabalho?
C.D. É. O que vemos é que, hoje em dia, envolver-se demasiado no seu trabalho representa um verdadeiro perigo. Mas, ao mesmo tempo, não pode haver inteligência no trabalho sem envolvimento pessoal – sem um envolvimento total. Isso gera, aliás, um dilema terrível, nomeadamente em relação aos nossos filhos. Se as pessoas se suicidam no trabalho, não podemos dizer aos nossos filhos, como os nossos pais nos disseram a nós, que é graças ao trabalho que nos podemos emancipar e realizar-nos pessoalmente.

Nota pessoal: Nunca vi ninguém profissionalmente desleixado, encostado ao poder ter qualquer problema. Pelo contrário, tenho visto gozarem de favores a troco de serem mais uma espingarda apontada ao “inimigo”. Só quem não acredita e não se entusiasma com o que faz pode desprender-se da ética inerente ao seu trabalho, para se deixar instrumentalizar ao serviço dos desígnios de poder de um chefe. Mas é trágico que o apego e a paixão por um trabalho sejam a armadilha que nos coloca à mercê de um tratamento humano ignóbil.

PS. Acho que me equivoquei no título deste post... O cidadão comum não consegue... mas os agressores conseguem imaginar o sofrimento que causam, pois procuram esse resultado deliberadamente. Têm é uma friesa e insensiblidade que os habilita para esse "trabalho".


Ver ainda:

http://liberdadeuminho.blogspot.com/2008/07/sero-essas-pessoas-normais.html


http://liberdadeuminho.blogspot.com/2009/03/podem-passar-mil-anos.html

Sem comentários: