sábado, 26 de julho de 2008

PROVIMENTO DEFINITIVO: UM PROCESSO "EXEMPLAR" AO LONGO DE 13 MESES

Na sequência da mensagem anterior, enviada à Academia, recebi várias mensagens solidárias e algumas perguntavam-me os factos e as pessoas. Mereceu-me particular atenção uma das mensagens. Transcrevo essa mensagem e a minha resposta.

Enviada: sex 25-07-2008
Para: Joaquim Gomes Sá
Assunto: RE: A toda a acdemia

Caro colega:

(…) fui levada a pensar, (...) que, possivelmente (aliás considero ser a única justificação) as pessoas que têm comportamentos do género dos que identifica em colegas desta universidade, não saberão agir de outro modo. Isto é, o quadro de referências/valores (?) delas foi-se construindo, destruindo-se, com base em facilitismos e mediocridades de tal modo intensas e marcantes que perderam a capacidade de juízo crítico e autoavaliação. Isto é tanto assim que chegam a pensar que os outros, aqueles que ainda vivem pensando no bem comum, no mérito individual e respeito pelas ideias dos outros, mesmo que diferentes das suas, e agem com base nos princípios mínimos de boa relação humana, "devem estar loucos"!

Será que esta justificação é suficiente para ficarmos quietos e deixarmos andar as coisas como estão? Penso que não.

Não sei o que vai conseguir mudar com esta sua longa exposição, valeu a sua atitude pela coragem em denunciar!

Um abraço solidário

A minha resposta

Cara colega,
Muito obrigado pela sua solidariedade. Tenho reflectido muito sobre a natureza das pessoas que agem deste modo. Como não haveria de pensar?

Veja.
O meu processo de provimento definitivo demorou 13 meses penosos (um caso similar pela mesma altura foi encerrado de forma célere), numa ameaça constante de um desfecho negativo, por motivo da acção persecutória de um casal de Professores Catedráticos: um fez (e faz) toda a sua carreira de científica no Centro de Engenharia Biológica da UM e o outro é proveniente do Instituto de Engenharia Biomédica (Porto). Ambos se tornaram Professores Catedráticos no grupo disciplinar de Matemática Elementar e Estudos do Meio Físico para a Criança da UM. Em regime de alternância têm dividido entre si a direcção do departamento ao longo de muitos anos

Sobre o meu provimento, havia um parecer externo positivo, mas o casal queria impor o seu parecer negativo. Esse parecer foi escrito debaixo de contestação, por via de incidente de suspeição, cujos fundamentos foram ignorados.

O parecer negativo afirma que o "Professor Joaquim Sá não refere como preparou, implementou e avaliou o desenvolvimento das disciplinas. Para nenhuma das disciplinas se referiu ao seu enquadramento curricular, aos objectivos a atingir, à selecção e organização dos conteúdos programáticos, aos processos de ensino-aprendizagem, aos métodos de avaliação dos alunos nem à lista biográfica relativa às principais obras a serem consultadas pelos alunos”.

Ou seja, invoca-se para um processo de provimento definitivo (Artº 44º do ECDU, nº 2) o que se aplica ao concurso para Professor Associado (Artº 20º do ECDU): o relatório da disciplina. Pior, eu teria de preparar não um relatório de disciplina, mas tantos relatórios quantos as disciplinas leccionadas. Como não fiz os relatórios das disciplinas, concluiu a relatora que “…Dada esta gravosa lacuna no seu relatório quinquenal (…) sou de parecer inequívoco que o Professor Joaquim Sá mostra não possuir competência, aptidão pedagógica e actualização…”.

Ora, sobre matéria pedagógico-didáctica e formação de professores, posso referir, pelo menos, que sou autor e principal co-autor de 4 livros, um dos quais em 2ª edição, sendo esse trabalho muito alicerçado na investigação realizada em sala de aula, com professores e alunos do 1º ciclo e do Jardim-de-Infância. Esses livros são amplamente utilizados em instituições de formação de professores. E, sem falsa modéstia, esse trabalho abre caminho a uma área académica nova no País, que é a do ensino e aprendizagem das ciências experimentais por crianças, o que está assinalado por quem prefaciou o 1º livro, em 1994. E foi um trabalho desenvolvido sempre na maior adversidade. O juízo daquele parecer é pois insultuoso e só por maldade pura pode ser justificado.

Entretanto em, em relatórios posteriores, a relatora contraria o critério que aplicou ao meu caso, seguindo o que é a interpretação geral da lei sobre o processo de provimento definitivo.

Perante sucessivas ilegalidades (sem atendimento aos meus apelos dentro da UM), apresentei uma queixa ao MCTES e a Inspecçao-Geral da Ciência, Inovação e Ensino Superior fez as suas averiguações. O relatório da Inspecção, homologado pelo Ministro da Ciência e Ensino Superior, recomenda que aqueles dois docentes não participem na deliberação sobre o meu provimento. Todavia essa recomendação não foi acolhida.

Com o arrastamento do processo cheguei a receber uma carta dos Serviços de Documentação que me informavam ter eu deixado de ser utilizador das bibliotecas - o que não podia ser pois eu era Associado. Um zelo extraordinário... e humilhante também. Ainda estou à espera de um pedido de desculpas.

Quando iam decorridos quatro meses após a entrega do relatório quinquenal, não havia decisão e o quinquénio do meu contrato já tinha expirado. Pedi informação sobre o processo por carta, comunicando que estava em casa sem visão, depois de um transplante de córnea, razão por que não podia solicitar a informação pessoalmente. Recebi como resposta um “pedido de audiência escrita”, por carta registada, assinada pela "Professora Catedrática Decano", como gosta de se auto-intitular. Às questões sobre o relatório quinquenal eu deveria responder no prazo de 15 dias.

Obviamente, para mim, considerando as pessoas e as circunstâncias, não era por mero acaso que tal carta coincidia com a difícil condição de visão; já tinham passado 4 meses e o parecer negativo já estava escrito e não foi modificado. Por outro lado, quem enviava o dito inquérito fazia-o à revelia do Conselho Científico de Catedráticos e Associados com provimento definitivo, que havia desencadeado o processo. Portanto, fê-lo à margem da legalidade.

Tornou-se para mim claro que se iria recorrer a um expediente qualquer para me negarem liminarmente o provimento definitivo, caso não respondesse às questões naquele prazo - era esse o objectivo. Respondi pois ditando para a minha esposa o que deveria escrever.

O problema de visão era muito complexo (era conhecido dos colegas), não sabia sequer que evolução poderia ter - estava por isso bastante abatido emocionalmente. Ser atacado, em tais circunstâncias, com aquela brutalidade, foi para mim e toda a família um verdadeiro horror. Eu não tinha ainda percebido que poderiam ir tão longe, de tal modo que só depois disto eu interpus um incidente de suspeição, que desde o início se justificava, mas que veio a ser ignorado.

Senti-me com um naúfrago a quem lhe retiram a única tábua de salvação e com ela lhe dão uma pancada na cabeça para que se afunde de vez.

Naturalmente, interrogo-me se isto é comportamento de pessoas normais. O que vivencio e observo na Universidade não pode deixar de me fazer pensar em psicopatas. Vasculhei um pouco os traços característicos dos psicopatas e lá estão:

- a completa ausência de empatia com a vítima;
- indiferença pelo sofrimento humano que provocam;
- ausência de sentimento de culpa;
- emocionalmente insensíveis;
- relações meramente instrumentais para obtenção de vantagens;
- simulados e astutos na ocultação do seu lado maligno.

Vejo com nitidez estes traços de carácter à minha volta.

E o que dizer de quem me enviou um conjunto de questões para responder por escrito, com prazo bem determinado, quando eu não estaria em condições físicas e psíquicas para o fazer? E que continua persistindo numa atitude de provocação e na obstinação de me sabotar projectos, etc?

Nenhum rebate de consciência faz esta gente reavaliar os seus actos ignóbeis e corrigir a sua conduta. A crueldade dos actos praticados é um juízo que não são capazes de fazer. Como bem diz, fizeram-se sem um quadro de referências e valores que lhes dê um sentido de moralidade e avaliação crítica da sua conduta. Fizeram-se no quero, posso e mando absoluto.

Nenhuma restrição se lhes impõe: nem o poder académico nem a sua consciência moral. O único critério quanto aos meios de que lançam mão são os seus desígnios pessoais - todos os meios são legítimos desde que sirvam esse propósito.

O que é particularmente grave é que em redor muita gente interioriza tais procedimentos como a normalidade institucional e aceita viver resignado com isso. Mais uma vez concordo consigo: os que mantêm a sua lúcida individualidade e pensamento próprio só "podem estar loucos".

Mas eu insisto que não podemos aceitar viver à mercê desta insanidade mental.

Há um grande défice de ética académica. A promoção de uma cultura de ética académica é uma necessidade básica de uma Universidade que não se cansa de dizer que é humanista.

Joaquim Sá

PS: É muito grande o manancial de provas de que disponho para tudo o que afirmo.

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Colega,

sou professor na UM e compreendo muito bem por experiência própria o tipo de processos que relatou e as ilegalidades que a UM alimenta através dos seus máximos dirigentes.

Ainda que de forma anónima, escrevo-lhe tão somente para lhe manifestar a minha solidariedade e dizer-lhe que faz todo o sentido continuarmos a manifestarmo-nos.

Joaquim Sá disse...

Caro colega,
obrigado pelas suas palavras solidárias e creia que acho inteiramente legítimo que as pessoas se manifestem de forma anónima, considerando a situação particular de cada um e o clima institucional em que vivemos. Como diz, mesmo assim é importante que manifestarmo-nos.

Anónimo disse...

Estou atónita com o que li! Este é um país sem vergonha onde aqueles que trabalham e demonstram algum valor são desprezados.

vanessa disse...

Caro professor, espero que saiba que pelo menos as alunas que teve e eu conheço lhe reconhecem muito valor. Fiquei atarantada com tudo o que li não fazia a mínima ideia...

Joaquim Sá disse...

Obrigado Vanessa pelas suas palavras de estima e apreço.