segunda-feira, 19 de maio de 2008

O TRABALHO DA "POBREZA"! E NA UNIVERSIDADE COMO É?

O "trabalho" da pobreza
17.05.2008, João Fraga de Oliveira (Público)

Não é admissível que, para não correr o risco da miséria, alguém tenha de se sujeitar à indignidade e ao risco.


No passado dia 11 de Maio, em Fátima, o bispo D. José Saraiva Martins, a propósito do "escândalo" da fome como "realidade triste e vergonhosa", apelava ao "respeito pelo homem e pela sua integridade", partindo do princípio de que "todos os homens têm o dever de ter uma vida digna" e frisando que "os valores da dignidade são inegociáveis".

Há já vários anos que o principal referencial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também já adoptado pela União Europeia (UE), é o direito de todas as pessoas a um trabalho digno (decent work).

Que relação poderemos estabelecer entre estas posições, a da Igreja, por um lado e, por outro, a da OIT e da UE, num contexto, mais que conhecido e denunciado por insuspeitas entidades, de encarecimento da alimentação, da saúde e da educação, baixos salários, quebra do poder de compra, endividamento pessoal e familiar, pobreza (mais ou menos encoberta) em que, ultimamente, muitas pessoas, em Portugal, (sobre)vivem?

Se para o crescente número de desempregados esta situação é desesperante, mesmo para a maioria de quem trabalha cada vez é mais difícil e incerto ganhar a vida. Mas um outro lado mais lunar, mais encoberto, desta realidade são as repercussões nas condições em que as pessoas ganham a vida, nas suas condições de trabalho. As condições de vida pessoal, familiar e social são indissociáveis das condições de trabalho.

Para quem está empregado, o medo de também cair no desemprego (acentuado pela eventual situação de precariedade do emprego em que se encontre) encontra na degradação das condições de vida um "caldo" onde germina, cresce e se generaliza uma atitude de não exercitação (ou até, tão-só, de reivindicação) dos seus direitos, mesmo dos mais elementares, mais básicos (e, por isso mesmo, constitucionalmente fundamentais), como é o direito a condições de trabalho que garantam a dignidade, a saúde, a integridade física, a vida.

É que, não nos iludamos, parafraseando um ilustre sociólogo português, tendemos a ser cada vez menos trabalhadores (sobretudo na exercitação dos nossos direitos) na medida em que tendemos a ser cada vez mais consumidores.

Resulta daqui o risco de emergirem e se desenvolverem situações que são a negação, perversa, do ciclo virtuoso (que, assim, se torna vicioso) que deve existir entre as condições de trabalho e as condições de vida (realização pessoal e profissional, saúde, dignidade, estabilidade económica, constituição e manutenção da família, etc.). E, assim, a mesma pobreza e sofrimento na vida pessoal e familiar que resulta da degradação das condições de trabalho (baixos salários, sobreduração, sobreintensificação, falta de condições de segurança, saúde e higiene), podem ser, perversamente, instrumentos da obtenção (ainda) de mais trabalho, da indigna exploração de quem trabalha.

Perante isto, não podem o Estado, o poder político e a administração, bem como as instituições pertinentes, alhearem-se e deixar funcionar o "livre negócio" de valores que são "inegociáveis". Devem, sim, caracterizar a situação e construir estratégias, recursos, metodologias e instrumentos de acção (em que a informação também tem um importante papel) que previnam e corrijam as consequências sociais que podem advir de uma outra face da pobreza e do "trabalho" que, na sombra, esta também faz (ou ajuda a fazer): a degradação das condições de trabalho.

É que, sob o ponto de vista da democracia e da cidadania, por mais que haja quem nos queira acomodar e conformar a um discurso meramente tecnocrata, gestionário e relativista dos referenciais mínimos da dignidade das pessoas, como tal e como trabalhadores, não é admissível que alguém, para não correr o risco da miséria e da consequente perda da dignidade na sua vida pessoal e familiar, tenha que, no trabalho, se sujeitar à miséria da indignidade e do risco.

Não é admissível que alguém, para ganhar a vida, para se manter socialmente digno, tenha que, como trabalhador, sujeitar-se à indignidade de não exercitar os seus direitos e ao risco de perder quotidianamente vida ou, mesmo, ao de, num instante, perder a vida.

Funcionário público, licenciado em Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho.

COMENTÁRIO:

Excelente artigo, de elevada pertinência para os mais variados contexto laborais, inlcusive a universidade. Ver posts anteriores:

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