terça-feira, 9 de março de 2010

A Avaliação de Desempenho dos Docentes: um contrato de (des)confiança?

Parnas enumera e comenta uma série de vícios e distorções que esta forma de avaliar [regular e subordinada ao critério da quantidade] está a disseminar pela sua comunidade científica, nomeadamente: incentiva a investigação superficial, incentiva a constituição de grupos de trabalho demasiado grandes em que os académicos mais seniores põem o seu nome nos artigos de todos os estudantes e jovens investigadores; incentiva a repetição; incentiva estudos pequenos e insignificantes; recompensa a publicação de ideias incompletas (half-baked). (…) E isto faz toda a diferença e é esta pressão que está a corromper o processo de publicação e a discussão verdadeiramente científica no seio da comunidade académica.
Teresa Alpuim

Este texto de Teresa de Alpuim (que teve divulgação universal nas listas da UM), apresentado num debate promovido pelo SNESup no Instituto Superior Técnico, é importante em qualquer altura, e é especialmente oportuno nestes dias que antecedem a implementação da Avaliação de Desempenho dos Docentes. Entra em profundidade no debate que importa travar, ao contrário de outros debates que não o chegam a ser, onde tudo o que é verbalizado está bem balizado nos estreitos limites da cultura institucional dominante, e muitos dos silêncios são a expressão do indizível que vai na mente das pessoas.

O número de Professores Catedráticos na UM é de 81 num total de 1153 (7%) e serão esses docentes os avaliadores. Tendo sido assinado recentemente um contrato de confiança entre a UM e o MCTES, é particularmente pertinente perguntar se a Avaliação de Desempenho dos Docentes será dentro da instituição um contrato de confiança ou um contrato de desconfiança.

O que vejo é uma generalizada inquietação e sentimento de impotência perante a avalanche avaliadora. Alguém expressava há dias o que lhe vai na alma nestes termos: “vamos passar a trabalhar com uma pistola apontada à cabeça”. As inquietações estão focadas em três aspectos essenciais: a) preocupação quanto ao futuro profissional individual; b) confusão quanto ao modo como saber conduzir-se neste novo quadro, de modo o poder “safar-se”; c) preocupação com o previsível agravamento das relações inter-pessoais (aumento de conflitualidade) e com a expectável degradação da atmosfera no contexto de trabalho.

No inquérito* que foi distribuído a todos os docentes da UM, em Maio de 2009, ao qual responderam 290 (25,1%), perguntava-se que percepção de importância têm, nas práticas da instituição, diferentes factores para efeito de progressão na carreira (escala: nada importante; pouco importante, importante, muito importante). Somadas as percentagens de importante e muito importante obtiveram-se os seguintes resultados: 1º - Actividade de investigação (89,4%); 2º- Pertença a grupos de influência (73%); 3º - Actividade de gestão (63%); 4º - Antiguidade na categoria/instituição (61,7%); 5º - Laços familiares ou de amizade (51,6%); 6º - Actividades de extensão (45,7%); 7º - Actividade de ensino (37,4%).

Naturalmente cabe perguntar se têm os docentes razões para acreditar que será de modo diferente na Avaliação de Desempenho.

Sobre a capacidade de gestão de conflitos, por parte das lideranças académicas, a soma das percentagens presente e muito presente é de 39,5% (pouco presente/nada presente: 60,5%). E na sua perspectiva pessoal, 96,7% dos docentes consideram ser importante/muito importante que as lideranças tenham essa capacidade. Ou seja, há uma percepção de conflitualidade muito acentuada e um forte desejo de que a mesma seja atenuada, por via da acção das lideranças.

Ainda sobre as lideranças académicas, apenas 39,2% consideram estar presente/muito presente o sentido de justiça no seu modo de actuação (pouco presente/nada presente: 68,4%); e 99% dos docentes consideram importante/muito importante que as lideranças actuem com sentido de justiça. Na caracterização do clima profissional, apenas 37,9% consideram estar presente/muito presente a justiça nas decisões sobre a profissão/carreira (pouco presente/nada presente: 62,1%) e 97,2% consideram importante/muito importante que haja justiça nessas decisões. Há uma forte percepção de injustiça e uma grande aspiração de que se pratique a justiça na UM, no que diz respeito às decisões sobre a vida profissional.

É neste quadro que estamos em via de avançar para aplicação da Avaliação de Desempenho, cuja proposta de regulamento em discussão, prevê a figura de recurso por parte do avaliado, quando discorde da avaliação. Todavia, nas respostas ao inquérito a que me tenho vindo a referir, apenas 27,5% consideram presente/muito presente a existência de instâncias de recurso fiáveis (pouco presente/nada presente: 72,5%); em contraste, 91,1% dos docentes considera importante/muito importante a sua existência. Esta percepção dos docentes não pode deixar de colocar em situação muito crítica a desejável credibilidade de que o recurso, no âmbito da Avaliação de Desempenho, possa efectivamente funcionar no sentido da reparação das injustiças que venham a ocorrer.

Estas são as percepções de um número muito significativo de docentes da UM, expressas na segurança e tranquilidade que o preenchimento de um inquérito anónimo garante. O seu significado é uma realidade incontornável na vida da academia, por mais esforços que se façam para reduzir a nada os sentimentos profundos das pessoas. Precisamos todos de nos compenetrar da necessidade de fazer algo para melhorar este panorama geral de insatisfação. Os decisores sobre a Avaliação de Desempenho devem interrogar-se seriamente se o passo que vamos dar vai contribuir para o agravamento desta situação. Se for essa a direcção, nada de bom poderá resultar para a vida das pessoas, para a qualidade do ensino e da investigação e para a instituição em geral. A qualidade do ensino está fundamentalmente no ser professor (é possível produzir evidências) e a qualidade da investigação é produto do pensamento e reflexão profundos.

É preciso dissipar os sentimentos que tolhem o pensamento, a criatividade e o entusiasmo das pessoas no trabalho. É necessário garantir que a selecção dos avaliadores seja muito criteriosa; deverão ser pessoas íntegras, com uma conduta académica eticamente irrepreensível aos olhos de todos. Essa é uma condição fundamental para gerar o indispensável sentimento de confiança dos docentes face ao processo de avaliação de que vão ser alvo.

*Projecto de investigação Representações da Vida Académica – um estudo na Universidade do Minho, inscrito no CIEd.

Joaquim Sá

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