segunda-feira, 30 de junho de 2008

DE VENTO EM POPA PARA O “SUCESSO” ESCOLAR - o ilusionismo que nos amarra ao atraso endémico


A minha filha fez exame de Matemática A do 12º ano. Preparou-se intensamente de tal modo que eu achei por bem recomendar-lhe, por várias vezes, que fosse para a rua arejar um pouco. Ao chegar a casa, depois do exame (23/06/08), disse-me que esperava tirar 20, mas antes que eu rejubilasse com a notícia, logo acrescentou que a prova era muito fácil, que uns 3 ou 4 colegas também esperavam tirar 20, que não havia nenhuma questão que distinguisse aqueles que estudaram razoavelmente a matéria daqueles que pudessem ir “um pouco mais além”, que tinha feito em três horas um exame que nos testes da escola se faz em 90 minutos, que tinha feito calmamente o exame por duas vezes e concluiu, com frustração, que “para isto não precisava de se ter matado a estudar”. No dia do exame à tarde, no Público on-line, alunos do Colégio Valsassiana, (sempre bem colocado nos ranking das escolas), davam testemunhos que iam no mesmo sentido.

Ora, todos os professores têm a noção de que a tendência natural dos alunos é queixarem-se das dificuldades das provas que vão realizando ao longo do seu percurso escolar, mesmo quando honestamente reconhecem que o esforço de superação das dificuldades é da natureza de qualquer processo de aprendizagem. Portanto, quando há alunos que se manifestam frustrados por considerarem demasiado fácil um determinado exame nacional, da responsabilidade do Ministério da Educação, manda o bom-senso que os tomemos a sério e que se tenha na conta de um aviso o sentimento de injustiça que manifestam, face a uma prova que não lhes reconhece o mérito e o esforço.

Segundo a Sociedade Portuguesa de Matemática, "a prova comporta um grande número de questões de resposta imediata e elementar, não aferindo conhecimentos matemáticos importantes (...). Confirma-se a tendência já patente no exame nacional do 9 ºano, da semana passada, em propor exercícios que correspondem aos primeiros exemplos usados para introduzir as noções." E acrescenta: “O padrão utilizado pelo G.A.V.E. para avaliar o desempenho dos alunos não permite distinguir aqueles que efectivamente trabalham dos que pouco trabalham, e não ajuda os professores a incentivarem os alunos a aprofundar os seus conhecimentos.”

Concordo que esta orientação encerra em si uma mensagem indutora de uma dupla desmotivação: a dos alunos para o esforço de um sucesso efectivo e a dos professores para promoverem esse esforço nos alunos. Motivar os alunos para o esforço de um trabalho exigente é cada vez mais complexo e difícil.

No actual panorama de desânimo e impotência que reina entre os professores, os sinais que são dados no sentido da desresponsabilização em relação ao essencial “liberta-os” para a burocracia e o controlo a que estão sujeitos nas escolas. E quem na sua integridade profissional não é capaz de fazer essa opção, inquieta-se, divide-se entre a sua consciência e a pressão externa, enfim, sofre. (Um dos traços mais marcantes da actual conjuntura da política educativa é o risco de degradação da identidade profissional dos professores.)

Segundo a Sociedade Portuguesa de Química, no exame de Física e Química A do 11º ano há questões demasiado elementares que "exigem apenas que o aluno saiba ler um texto ou os eixos de um gráfico", não precisando "sequer de ter grandes competências a nível da interpretação".

A tudo a Sra. Ministra da Educação responde que é demagogia, que certas pessoas acordam pela manhã mal dispostas e se lembram de dizer que os exames são excessivamente fáceis. Regozija-se com os 90 % de alunos com positiva a Português e 82 % com positiva a Matemática, apontando-os como consequência das políticas seguidas pelo Governo, que terão permitido enorme recuperação. Para as tais provas de Português e de Matemática, recomenda a Directora Regional do Norte que não sejam corrigidas por professores que dão notas “fora da média” [leia-se abaixo da média], porque “os alunos têm direito ao sucesso”.

A fórmula para o sucesso não é pois a competência dos professores e o trabalho dos alunos. O sucesso é um direito universal, tendencialmente garantido a todos por igual. E a nova fórmula para o sucesso são os exames com um grau de dificuldade adequado ao "sucesso" e critérios de correcção em conformidade.

Não sei se a Ministra da Educação já tem preparado o discurso quando vierem a público os resultados do próximo estudo PISA, que avalia os jovens de 15 anos em literacia em matemática, em língua materna e em ciências. Aí não será o ME a fazer as provas, nem há margem para "adequar" os critérios de correcção - isso será um sério obstáculo ao sucesso.

Se pudéssemos tomar a sério a teoria do sucesso que vem ganhando terreno, seria de esperar uma grande “recuperação” dos alunos portugueses, no próximo estudo internacional de literacia. Mas, bem podemos esperar sentados: nada de parecido acontecerá. Afirmo sem qualquer hesitação que continuaremos bem no fundo da escala, no conjunto de cerca de 30 países.

Não tenho vocação para profeta da desgraça. Afirmo-o com o conhecimento que tenho da realidade e com o conhecimento dos processos de transformação da realidade educativa que promovo e investigo.

Desculpem caros leitores a presunção desta minha certeza… Concedam-me antes o benefício de admitirem que me move a ambição e a convicção de que é possível sairmos do fundo do poço, em termos da qualidade das aprendizagens das nossas crianças e jovens.


PS.:
Ao nível da UM espero bem que a taxa de sucesso escolar acima dos 75% prevista no QUAR (Quadro de Avaliação e Responsabilização) não me imponham a desresponsabilização, obrigando-me, porventura, a baixar ainda mais a bitola dos meus critérios de avaliação. Não tenho aspirações a ganhar o prémio da "Responsabilização" deste novo paradigma do sucesso estatístico.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boas Professor.
Tenho uma irmã exactamente na mesma situação, aluna exemplar, extremamente dedicada, que estuda sem parar. Muitas vezes, tal como o professor, nós família, sentimos necessidade de a mandar parar de estudar, de sair de arejar.

No dia do exame, assim que olhei para o relógio e vi que já deveria ter acabado, telefonei-lhe a resposta foi "oh correu bem" e eu admirada perguntei e então não estás contente, ao que ela me respondeu "Contente? Uma pessoa mata-se a estudar, vai para um exame em que até os alunos do 9º ano eram capazes de fazer. Não sei para que estudei não era preciso?".

Agora sente-se frustrada porque passou 3 anos a lutar para tirar boas notas, e num exame específico, para o curso que ela quer entrar, o nível de dificuldade era 0....

Como estudante e cidadã questiono-me seriamente sobre as capacidades dos alunos que vão concorrer à Universidade... Porque vejo que cada vez mais são feitos facilitismos no que toca a exames nacionais. Um deputado no parlamento disse que era bom que os exames não fossem tão difíceis como em anos anteriores porque o ensino não pode ser elitista. Concordo perfeitamente que o ensino é para todos (embora o ME pense que as crianças só precisam ser educadas a partir dos 3 anos, mas enfim esse é um outro ponto de discussão), no entanto também penso que o facilitismo só vem prejudicar a sociedade, os jovens são "enfiados" numa redoma onde lhes é passada a mensagem "Não precisas de te esforçar, porque para que as estatísticas sejam boas a gente facilita-te a vida". Acredito por isso que nos próximos anos, caso o panorama não se altere, os professores Universitários vão lidar com alunos menos sábios, menos habituados a estudar, a lutar e a não saber lutar com as frustrações de uma negativa ou de uma nota menos boa.

Eu já fiquei triste por ter menos valores numa ou outra disciplina, mas os erros cometidos ajudaram-me a aprender a estudar mais, a dar mais de mim obrigaram-me a reflectir sobre o que eu teria feito mal. Para entrar na Universidade matei-me a estudar, matemática então só de falar... No entanto sei que entrei na Universidade porque mereci, porque nunca me facilitaram a vida.

A verdade é que tenho muito orgulho em ser Portuguesa, mas o nosso governo aos poucos e poucos tem feito com que me decepcione dia a dia com as decisões que toma. Agora voltará a polémica do encerramento de Urgências por todo o país… é só mais um assunto para reflectirmos…

P.S. professor acho que ninguém ficará chateado pelo blog. Muito pelo contrário. É um local onde pudemos, quando temos tempo o que este semestre não aconteceu muitas vezes, dar a nossa opinião. Quem não gostar tem bom remédio não lê. Continue com o trabalho bem excelente que tem vindo a fazer. Penso que entenderá a mensagem :)

Joaquim Sá disse...

Obrigado pela força e pelo seu comentário pertinente.