Nunca, ou muito raramente, os relatórios e inquéritos se referem a esses factores miscroscópicos. No entanto, um sector de empresa, de banco, de uma administração, de um escritório, de um hospital, de uma escola, de um ministério ou de outra macroinstituição qualquer não escapam à acção corrosiva de certas "relações interpessoais".
Com efeito, aqueles factores intervêm a esse nível. E contudo, como se sabe, a causalidade microscópica pode ter efeitos catastróficos (ou de sucesso) a uma escala mil vezes superior. (...) Infinitas injustiças são cometidas todos os dias (...) à conta de golpes baixos inconfessáveis que ficarão para sempre impunes no cômputo do Juízo Final... (Gil, 2005: 90).
Desde há vários anos tenho introduzido para debate público a questão da atmosfera social e das relações interpessoais, como variável fundamental do ponto de vista dos níveis de satisfação pessoal, realização profissional e produtividade das pessoas na Universidade do Minho. Esse tema foi acolhido como relevante por outros colegas; outros ainda, em contexto eleitoral, por curtos períodos de tempo falaram das "pessoas", mas não se vislumbra que se abandonem os slogans do costume, onde a natureza da vivência humana dentro da instituição é reduzida a coisa nenhuma. O facto é que, para quem está atento (eu tenho a imodéstia de me considerar como tal), assiste-me nos tempos recentes a uma acelerada degradação do clima social e da relações interpessoais na UM.
Perante a frenética regulamentação que é atirada para cima de todos nós, quando se apela a reflectir, intervir, tomar posição a reacção generalizada é "não quero saber", "não tenho tempo", "estou farto", "quero emigrar daqui", "as pessoas estão a ficar doentes", etc. A inquietação, a ansideade, a angústia e mesmo o desespero alastram, especialmente entre os docentes de vínculo contratual mais precário: exprimir qualquer opinião é o risco do desemprego à vista. Certos poderes medíocres exploram sem escrúpulos essa vulnerabilidade. As pessoas refugiam-se no seu canto, alheando-se de tudo, procurando na discrição e no silêncio alguma protecção e segurança. Aos olhos dos poderes institucionais essa realidade não existe e não é equacionada como parte da política universitária. Outros há que farão o papel de fazer crer que tudo vai no melhor dos mundos.
A propósito, quantos docentes da UM conhecem o Programa de Qualidade (42 páginas) e o Manual da Qualidade (39 páginas), documentos enviados para as diversas chefias em 1/06/09 com a indicação de “uma ampla auscultação da comunidade académica” e um prazo de entrega de contribuições até final de Julho de 2009. Alguém sabe disto? Alguém está consciente das consequências de tais orientações de política de qualidade se vierem a ser aplicados?
Uma leitura atenta permite concluir que a natureza dos poderes de avaliação e a dimensão/desadequação das tarefas de avaliação previstas só podem ter como consequência a subversão da actividade que é avaliada, designadmente a actividade de ensino. À semelhança do modelo de avaliação dos professores da ex-Ministra da Educação, caminharemos para uma situação em que o importante mesmo é avaliar o ensino e não ensinar, o que acaba por ser avaliar aquilo que o sistema de avaliação não permite fazer.
Entre muitos dos aspectos inquietantes aí contemplados, pretende-se instituir a figura do "promotor da qualidade". O que é que isto faz lembrar? Comissários políticos? Agentes de uma qualquer "revolução cultural", que nos vão meter à força dentro da sua grelha "objectiva" de avaliação da qualidade?
Há uma estranha Comissão para a Garantia Interna da Qualidade (CGIQ) com poderes supremos sobre a qualidade, designadamento a do ensino, que pode inclusive instaurar auditorias sobre o funcionamento de uma Unidade Curricular. E qual é a composição dessa comissão? Veja-se:
- um vice-reitor ou pró-reitor;
- um gestor de qualidade (o que é isto?);
- um representante de cada unidade orgânica nomeado pelo respectivo presidente;
- o administrador (de quê?);
- o aministrador do SAS (pois, a figura omnipresente na vida da UM!);
- um representante dos serviços certificados (não sei o que é);
- o presidente da associação académica (tinha que ser...);
- dois representantes dos estudantes;
Qual é a nossa dignidade de professores universitários para aceitarmos isto?
Um aspecto completamente inaceitável é que esse documento de trabalho não tem rosto, o que contraria em absoluto os princípios de boa-fé e transparência democráticas. É fundamental que os autores do documento se dêem a conhecer, para melhor avaliarmos dos seus méritos e propósitos e sintamos que temos interlocutores.
Duas questões:
- Qual é a legitimidade de tais documentos de política universitária promovidos por um Reitor nos últimos dias do seu mandato?
- O que vai fazer com tais documentos a nova Reitoria, acabada de se constituir?
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