terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Uma Comissão de Ética no âmbito do Conselho Geral

Falo por experiência vivida, por conhecimento directo de outras situações e pelo que li e estudei...

O fenómeno de assédio moral ou mobbing é muito mais comum do que se pensa nas empresas e instituições, designadamente nas universidades: tem sido silenciado. Este fenómeno psico-social entre adultos não é fácil de reconhecer e compreender, nem pela vítima nem pelos que observam de fora o desenrolar dos factos. Desde logo, porque o carácter persecutório dos actos praticados contra o sujeito-alvo de assédio é negado até à exaustão, e as pessoas são manipuladas pelas versões dominantes postas a correr pelo agressor: enquanto a maldicência corre com todo o à vontade, em todos os forum em que o visado não está presente, este não imagina tal orquestração, vindo a surpreender-se mais tarde com a difamação da qual não teve qualquer oportunidade de se defender (a desproporção de meios é muito grande). Por outro lado, é muito difícil aceitar-se e admitir-se que quem goza de estatuto e poder supostamente respeitáveis, tenha os propósitos tão pouco nobres do assédio moral (mas, na verdade, a combinação de vícios privados/públicas virtudes é muito comum). E o estatuto de poder e pretensa superioridade permite o uso de uma falsa e sibilina comiseração (coitado, vejam lá... é uma pena!), para tudo ser mais convincente. Assim, facilmente se dá crédito à tese do agressor, segundo a qual os vários incidentes provocados em torno de uma determinada pessoa, “demonstram” que o problema é essa pessoa. Por outro lado, dar esse crédito, mesmo quando se tem evidência do contrário, é mais "apaziguador", quer no plano individual, quer no plano do grupo institucional que é dominado pelo agressor.

É preciso conhecer o fenómeno cientificamente para discernir com clareza e não vacilar na pressão para um juízo que interessa ao agressor (sugiro a leitura de um pequeno artigo de 9 páginas: http://www.mobbingportal.com/LeymannV&V1990(3).pdf ). Esse distanciamento não é fácil e só o fará quem não esteja sob domínio do agressor e não seja parte interessada de forma directa ou indirecta no processo de assédio. Manter o discernimento e afirmá-lo exige energia e coragem; em contraste a aceitação da versão do agressor corresponde à "ordem natural das coisas" estabelecidas. O sentimento geral é a indiferença. Há quem consiga reconhecer a injustiça de que é alvo a vítima, mas com o passar do tempo, e não se vislumbrando uma solução justa, deixa-se cair essa perspectiva, com a qual não é confortável conviver.

Quando a escalada vai subindo de intensidade e o visado não consegue discernir o que se está a passar consigo, está perdido. Porque se impõe de fora, ao assediado, um retrato negro de si próprio, que nega tudo o que ele pensa de si. A partir de dada altura já ninguém lhe devolve, no contexto de trabalho, o reconhecimento de qualidades humanas, pessoais e profissionais. No olhar, nos silêncios e nas atitudes, só lhe devolvem o retrato negro que o agressor montou e difundiu; nada do que faz tem valor algum. Isso tem um efeito psicologicamente devastador. Fica-se impotente para dar a volta a isto... é o desespero.

Por isso, eu tinha que compreender o que se estava passar, fiz pesquisas e estudei o fenómeno e consegui a partir de dada altura ter um discernimento claro. Isso foi fundamental para resistir durante tantos anos. Levantei-me uma, duas, três, quatro vezes... tentando erguer projectos e retomar uma vida académica normal, mas de todas as vezes havia um novo golpe para me derrubar. Quando depois de todas as tentativas de anulação, se lança mão de um requerimento para me submeterem a uma Junta Médica, com o propósito de que eu seja dado como desequilibrado mental, não é possível resistir mais ao impulso de extermínio nazi - a Inspecção Geral do Ensino Superior constatou a farsa, mas nada pôde fazer em nome da sagrada autonomia universitária. Depois disso, já não existem forças nem motivação, e está gravado na minha mente o condicionamento de que a um novo esforço se seguirá um novo revés.

Por isso, não sei se devo rir... ou chorar... com essa coisa da avaliação de desempenho dos docentes. Rir ... pelo ridículo de tomar a sério a aplicação dessa grelha a quem é massacrado para ser profissionalmente aniquilado; chorar.. pelas consequências dessa avaliação, levada a sério. Não sei se rir ou chorar ainda, mediante o cenário provável de essa avaliação poder ser um instrumento nas mãos de agressores, que dificultando o trabalho do assediado, vêm mais adiante, aplicar-lhe a grelha da avaliação para o declarar incompetente: uma obra-prima da PERVERSÃO.

É preciso trazer a público um problema silenciado que afecta muita gente, nestes tempos de acelerada desumanização. Há pessoas que foram varridas, outras que não aguentaram e tiveram que sair, e há muitas pessoas a serem remetidas a um canto, onde vivem em completo isolamento, em péssimas condições para a sua saúde mental, no contexto laboral. Sei-o pelo que observo, sei-o porque um número significativo de colegas trocaram comigo mensagens privadas, uns procurando ajudar-me com a sua experiência, outros pedindo conselhos e ajuda; sei-o porque me relataram as suas situações, as situções de outros e me falaram do clima profissional em que vivem. Encontrei-me pessoalmente com algumas dessas pessoas.

O Conselho Geral, que tem no âmbito das suas competências a possibilidade de adoptar iniciativas com vista ao melhoria do funcionamento da UM, deveria prestar atenção a este problema. Sugiro que o CG crie um Comissão de Ética que seja capaz de fazer um levantamento sério da situação e que proponha políticas apropriadas de remediação.

Para mais informação:
http://liberdadeuminho.blogspot.com/2008/07/sero-essas-pessoas-normais.html

1 comentário:

Anónimo disse...

O mobbing está na ordem do dia e, de facto cada vez mais, torna-se premente a sua denúncia, o que o Prof. Joaquim faz neste post com toda a razão que lhe assiste.
O interesse pelo mobbing surgiu na Suécia, por iniciativa de um grupo de estudiosos coordenado e dirigido por Heinz Leymann, o qual teve o mérito
de teorizar (principalmente Leymann) um fenómeno de que se sentia inconscientemente a presença no mundo do trabalho.
Reconheço que não deveriam acontecer situações de assédio moral no local de trabalho e, que o apoio, às vezes, falha para o lado da vítima, sei por experiência própria, que nos contextos académicos ainda é pior (e piora nas províncias, onde existe muita inveja, muita endogamia, muito compadrio, etc.) porque raramente existe a consciência de que somos diferentes uns dos outros e que, por isso, devemos ser respeitados e tolerados (cada pessoa tem a sua própria personalidade).

Vou relatar um caso que aconteceu há cerca de quase dois anos e meio no local de trabalho de uma amiga. Nessa empresa tinham um chefe, com a mania que era um grande gestor, com grande experiência no sector, mas gestor somente do trabalho (aparente) praticado pelos outros, onde não entrava a palavra solidariedade nem reconhecimento por quem, de facto, trabalhava no sentido de abraçar um projecto em que a criatividade, a dedicação e o empenho diário eram constantes.

De início, o chefe fez-se muito amigo de todos os empregados. Com a continuação do tempo, após pensar que os conhecia bem, iniciou um conjunto de comportamentos abusivos (trabalhar fora de horas, realizar tarefas que não eram da sua competência, e outras situações eram o pão nosso de cada dia .....) manipulou-os um a um, de maneira que já tinham medo uns dos outros e por isso mesmo quase não falavam uns com os outros, sobre aquilo que acontecia naquelas paredes.

As situações humilhantes, constrangedoras no sentido de romper a sua coerência e integridade como pessoas eram constantes, quase diárias.

Iniciou-se um ciclo de abandono para outras empresas por parte dos mais novos com contratos precários. Claro que os efectivos não podiam fazer isto, a vontade não faltava ... por ali foram ficando ....

A primeira pessoa a pedir transferência foi a minha amiga e embora o novo local de trabalho fosse longe, ficou contente, mesmo que tivesse demorado algum tempo, mas já não o podia ver nem ao longe, como se costuma dizer na gíria, nem pintado ....
Após a sua saída, outros foram transferidos (dos que se queixavam), e visto que a minha amiga apoiava alguns deles no seu infortúnio de momento, que já tinha sido seu, os que ali ficaram começaram a ficar "doentes" em casa de baixa ....

Claro que também houve quem não tivesse sofrido com isto, por se apresentar aparentemente amigo, mas pelas costas ir falar o que não se dizia no sentido de ser valorizado pelo agressor ....

Foram feitas queixas contra o agressor a quem de direito (o qual já tinha algumas em somatório....) e os empregados foram chamados, um a um, para serem entrevistados, nas quais se mantiveram coerentes nas suas queixas.

Posteriormente, foi proposto ao agressor ir para outra empresa e assim foi, mas quem retribuiu o desgaste emocional, físico e mental que estes empregados sofreram, visto que alguns deles já nem ali se encontram?