sábado, 1 de maio de 2010

Stress crónico provoca alterações a nível cerebral?

Mensagem distribuída em toda a rede electrónica da Universidade do Minho, em início de Julho de 2009, em reacção à divulgação, na mesma rede, da notícia de publicação na revista Science de um artigo que relaciona o stress crónico, com alterações ao nível cerebral e os processos de decisão.

Caros colegas,

Permito-me a liberdade de interpretar a divulgação desta notícia de publicação de um trabalho científico, não só para nos dar conhecimento do mesmo, mas igualmente para nos abrir a oportunidade de fazermos algum tipo de consideração se para isso encontrarmos motivo bastante. O artigo relaciona o stress crónico, com alterações ao nível cerebral e os processos de decisão. Eu sou investigador educacional, e para compreender, investigar e intervir na aprendizagem e na formação, necessito de estudar, entre outros matérias, a cognição, a inteligência emocional, e mais recentemente as neurociências, designadamente os livros de António Damásio. Antecipo desde já que, a propósito do processo decisão inteligente, para uma melhor aprendizagem, é muito importante o tema da metacognição (a consciência por parte do aluno dos seus processos cognitivos e a consequente auto-regulação, direccionando-se a si próprio para melhores desempenhos).

Compreende-se assim que me tenha interessado pela notícia deste artigo. A leitura do resumo (não tive acesso ao full paper) apresenta-nos um estudo laboratorial com ratos, sem nenhuma referência aos seres humanos, no que diz respeito ao stress crónico, modificações cerebrais e processos de decisão. Todavia, na notícia que consta no Portal de informação on-line da UM não há uma só referência aos ratos [ http://umonline.uminho.pt/ModuleLeft.aspx?mdl=~/Modules/Eventos/EventoView.ascx&ItemID=2325&Mid=19&lang=pt-PT&pageid=8&tabid=3 ]

Aí se pode ler:

A demonstração de que o stress favorece decisões habituais tem impacto na etiologia de várias patologias neurológicas e psiquiatrícas, nomeadamente pertubações obsessivo-compulsivas e comportamentos aditivos. Contudo, as consequências deste achado ultrapassam os limites dos quadros patológicos, sendo relevantes para as nossas actividades diárias. O estudo permite compreender melhor quais os factores que influenciam os processos de tomada de decisão e, em particular, como a exposição prolongada ao stress afecta os circuítos cerebrais que determinam as nossas (menos boas) decisões, na medida em que decisões que normalmente teriam em linha de conta as respectivas consequências, passam a ser baseadas em hábitos. Assim, em última análise, esta descoberta abre novas perspectivas para a modulação dos processos de decisão.
(…)

O leitor jamais poderá imaginar que a notícia se refere a um estudo com ratos e só poderá pensar que tudo o que aí se diz se reporta aos seres humanos. Conhecendo o resumo do artigo, depreende-se que a notícia é uma (pelo menos aparente) extrapolação para os humanos, mas não se apresentam os fundamentos dessa extrapolação. Na notícia do Público de 31/07/09, há uma breve referência ao estudo laboratorial com ratos, mas essa extrapolação também lá figura.

Do que estudei e conheço, o processo de decisão no ser humano é indissociável do problema da consciência, atributo exclusivo do Homem no mundo animal. Segundo Damásio (2001), a neurobiologia da consciência enfrenta, pelo menos, dois problemas: o de como se constrói o “filme-no-cérebro” [as imagens de pessoas, lugares, melodias, relações, etc.] e o de como o cérebro constrói o sentido da existência de um proprietário e espectador para esse filme (O Sentimento de si, pg. 30).

É justamente porque o Homem é proprietário e espectador do seu próprio pensamento que os humanos podem auto-regular os seus processos mentais designadamente, nos processos de decisão. E a capacidade de espectador do próprio pensamento pode ser treinada e desenvolvida – é nisso que consiste oa promoção de competencias metacognitivas. Esta capacidade não está ao alcance das outras espécies animais, designadamente dos ratos, nos quais foram observadas alterações ao nível cerebral, resultantes do stress crónico a que foram sujeitos em laboratório.

Defraudado na expectativa suscitada com o anúncio da publicação, achei em consciência que devia aqui trazer este meu ponto de vista, bem como manifestar a minha grande perplexidade, face às extrapolações para os seres humanos, em aspectos tão específicos como "patologias neurológicas e psiquiátricas, nomeadamente pertubações obsessivo-compulsivas e comportamentos aditivos" a partir de uma experiência laboratorial com ratos. Na verdade não é possível vislumbrar o alcance e o propósito da notícia, tão amplamente divulgada, e ainda patente no portal de uma instituição científica, que é o caso de uma universidade.

Joaquim Sá
(Professor Associado – Instituto de Educação)

1 comentário:

Maria disse...

Ultimamente o que me provoca um grande estress é saber que:
"Há um grande número de pessoas nos politécnicos que não tendo doutoramento, com o actual regulamentos, RJIES e Estatuto da Carreira Docente, podem ser dispensados se não o fizerem dentro de um prazo muito curto", enquanto outros, andam a trabalhar ...... muitas vezes para elas.