segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Esta gente "virtuosa"...

Frequentemente a revolta vem ter comigo e, por mais voltas que dê ao pensamento, acabo sempre por retornar ao ponto em que a minha dignidade não suporta o sentimento de ser esmagado como uma formiga que se chuta para fora do carreiro. Havemos de pôr a nu a verdadeira face deste gente "virtuosa".

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Assédio sexual e assédio moral: faces da mesma moeda

A propósito do post anterior pode ler-se em Novos Rumos Novos Desafios
http://um-novosdesafios.blogspot.com/2010/08/assedio-moral-na-uminho.html :

Sou mulher e não vi retratado o assédio que tenho sentido há muitos anos, o assédio sexual perverso que se faz neste mundo da universidade. Não se trata de um fenómeno passageiro. É um problema que os homens usam abusivamente para atingirem os seus fins. Estou farta que me digam que não estou bem "porque estou naqueles dias".

As razões objectivas que são propícias ao assédio moral são igualmente propícias ao assédio sexual: uma situação de poder do agente de assédio face à (potencial) vítima.

O assédio sexual é normalmente entendido como sendo exercido pelo homem sobre a mulher, todavia, nem sempre é assim. Pessoalmente não tenho conhecimento de casos de assédio sexual do homem sobre a mulher, em contexto universitário, mas do assédio da mulher sobre o homem não posso dizer o mesmo.

Determinadas senhoras, que porventura sacrificaram uma vida afectiva saudável à profissão, ao atingirem um patamar elevado e estável na carreira, e vendo os anos correr..., acham que é chegado o momento de dar um pouco mais de "picante" e colorido às suas vidas (o que, em abstracto, não pode deixar de se considerar uma aspiração legítima). Um colega, seu subordinado, provavelmente mais jovem e supostamente um homem interessante, parece presa fácil, passando a ser visto como o instrumento desse desiderato. Passa então a ser alvo de especial atenção e interesse com vista a um estreitamento do relacionamento profissional: de início é "tudo a propósito de trabalho". O elemento masculino sente-se lisongeado com o interesse pelo o seu trabalho e com o "reconhecimento" da qualidade do mesmo, por parte da superior hierárquica, encarando com satisfação os incentivos, os apoios e até a perspectiva de um trabalho "conjunto". A sedução parece surtir o efeito desejado.

Mas com o tempo, o "eleito" vê reclamada sua presença a todo o momento para "colaborar" nesta e naquela tarefa inadiável, as mensagens por diveros meios passam a sar contínuas - cartas manuscritas, telefonemas para casa, para o gabinete, textos por email -, a senhora aparece no seu caminho invocando todo e qualquer pretexto. Finalmente sente-se cercado, sem liberdade para dispor do seu tempo e da sua vida com livre-arbítrio e decide começar afastar-se, com a parcimónia de quem teme represálias.

Chega-se ao ponto de a autora de assédio sexual reconhecer esse facto por escrito, disfarçado em urgentes tarefas profissionais, nestes termos: “(…) chego à conclusão que a minha “vigilância” permanente junto às “tuas-nossas” actividades conduziu sobre ti a uma sensação de pressão, de coacção, de “horror” à minha presença” (...) “Porque eu sei (e tu sabes que eu assim penso) que tu és intelectualmente brilhante; aspecto que, reconheço, fico eu bem aquém. Assim, a tua visão teórica, intelectual, poderia ter “casado” bem com a minha capacidade efectiva de execução”.

As verdadeiras intenções são percebidas e finalmente declaradas - a situação torna-se patética e de grande embaraço. Tendo em conta a relação hierárquca, o sujeito explica de forma cautelosa que "não pode ser", que "não está interessado", mas a pressão continua, é um sufoco. Por fim, acaba por ser necessária uma atitude de mais drástica ruptura.

Temos então uma mulher que se sente rejeitada, mas essa mulher dispõe de poder sobre quem a rejeitou - está o caldo entornado. Quem não reconheceu os seus encantos femininos há-de reconhecer o seu poder da pior maneira. Segue-se então a revanche e começa o processo de assédio moral.

Assim, é na relação de poder - do homem sobre a mulher ou da mulher sobre o homem - que assenta o assédio sexual que, por sua vez, pode dar lugar ao assédio moral. Sendo os fenómenos de natureza diferente podem em certos casos ser faces da mesma moeda.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Conferência "Psicopatas no local de trabalho? O assédio moral nas organizações"

A Universidade do Minho acolhe na próxima terça-feira, 22 de Junho, entre as 15h e as 17h, a aula aberta/conferência "Psicopatas no local de trabalho? O assédio moral nas organizações". A iniciativa vai decorrer na sala 3.301 do Complexo Pedagógico 3, no Campus de Gualtar, Braga.

Está prevista a projecção de um pequeno filme sobre "mobbing" e uma conferência, com as palestras "Repercussões do Mobbing/Assédio moral no bem-estar do trabalhador", por Ana Lúcia João, "O assédio moral no trabalho: uma perspectiva feminista", por Joana Oliveira, e "O assédio moral como comunicação patológica: o contributo de Gregory Bateson", por Luzia Pinheiro e José Pinheiro Neves. A moderação cabe a Joel Felizes, Director do Curso de Sociologia da UMinho. A organização do evento cabe ao Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da UMinho, ao Núcleo de Estudantes do Curso de Sociologia (NECSUM) e à unidade curricular "Trabalho e Culturas Profissionais" do Curso de Sociologia.

Contactos:

Instituto de Ciências Sociais da UMinho
Departamento de Sociologia
Tel.: 253604212 /80
Email: sec-dsa@ics.uminho.pt

Comentário:
Felicito os organizadores pela iniciativa. A problemática a abordar tem sido matéria tabu, mas tem uma grande expressão e implicações graves para a vida de muitas pessoas e contribui para a degradação do clima de trabalho nas instituições. Nas universidades, a conjugação de uma estrutura rígida e fortemente hierarquizada, com o estatuto de Autonomia (com todas as suas interpretações perversas e abusivas) faz com que o fenómeno de mobbing/assédio moral seja um problema particularmente crítico. Façam-se as contas aos que têm sido forçados a sair por não suportarem as pressões a que são submetidos... No pequeno espaço institucional que melhor conheço, e apenas num período de 1 ano e meio, dois professores auxiliares e um assistente foram-se... Isto tem que mudar, os déspotas tem que acabar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A consumação de um plano de destruição humana

Guardo comigo cópia da acta de uma reunião no ex-CIFOP (chegou-me às mãos há uns 10 anos), realizada em 21 de Junho de 1990. A reunião, realizada com a presença do Reitor da Universidade do Minho de então, tinha como único assunto eu próprio, embora ausente. Na referida acta pode ler-se:

“O Prof. X interveio para afirmar que não está a pedir o levantamento de um processo disciplinar mas que fará todos os possíveis para que ele (Dr. Sá) se vá embora”.

Por incrível que pareça, coisas destas constam de uma acta; reinava então uma espécie de legitimidade "revolucionária" de um "iluminado", o que redundava na ausência do mais elementar bom-senso. Por isso mesmo, nessa altura e nos anos seguintes, ganhei todas as eleições para representante dos docentes não doutorados a que me apresentei (e foram 3), por larguíssia maioria, num universo de 30 a 40 docentes (havia os docentes requisitados da profissionalização em exercício, com direito de voto).

O que me movia no propósito de ser representante eram a o direito de participação dos docentes, a exigência de informação, pugnar pela democraticidade e transparência das decisões, a defesa da igualdade (de tratamento, de oportunidades e de recursos disponibilizados aos docentes) contra a discriminação, a recusa de todas as formas de conduta anti-ética, designadamente, o desrespeito das pessoas e os abusos de poder. Mas à lei força, acabava sempre por prevalecer o contrário do que eu e os meus colegas defendiam. Por isso se criou a tese de que não tínhamos ainda "cultura universitária", do mesmo modo que, mais de uma década depois, uma colega estrangeira "não se adaptava à cultura portuguesa", pois a sua liberdade de pensamento tornara-se particularmente incómoda.

Com a minha visão do mundo, pensamento, convicções e personalidade, eu percebi que tinha caído no fundo de um poço sufocante onde me era impossível respirar. Foi por isso que no início do ano lectivo de 91/92 comuniquei a minha decisão de no final desse ano abandonar a UM e concorrer para o Ensino Secundário, de onde me tinha desvinculado do lugar de professor efectivo. Mas durante esse ano, os alunos do 1º ciclo "convenceram-me" que o trabalho exploratório de investigação que fazia com eles nas suas salas de aula era único e necessário. Decidi então ficar para dar continuidade a esse trabalho fascinante (ver http://geniociencia.blogspot.com/ ), que eu tinha iniciado de forma completamente desprendida, pois tinha a perspectiva de abandonar a carreira universitária alguns meses depois.

Mas persistiam os problemas com a minha presença na instituição. O simples facto de fazer perguntas que para sempre ficaram sem resposta... era uma heresia insuportável. A minha conduta tinha o apreço e a consideração da esmagadora maioria dos meus colegas de então e era especialmente isso que não podia ser tolerado por gente obcecada pelo o poder a qualquer preço. Era preciso cortar o mal pela raíz...

Aquela garantia inaudita (que eu desconhecia) de tudo se fazer para me afastar continha o anúncio de um plano de aniquilação profissional. Diferentes actores, que adoptaram a mesma "escola" da insana brutalidade, sustentada em superior patrocínio hierárquico, prosseguiam o plano enquanto eu resistia como podia; e assim foi durante 20 anos. A minha saúde foi-se degradando em diferentes aspectos, de ano para ano. Consequentemente, hoje estou em casa sem poder trabalhar: o plano cumpriu os seus objectivos.

Tristemente, é desta miséria moral que muito se fazem as nossas universidades e muitos dos notáveis que as habitam.

Para mais esclarecimentos:
http://liberdadeuminho.blogspot.com/2008/07/sero-essas-pessoas-normais.html

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A condecoração de Saldanha Sanches me conforta!

A notícia da morte de Saldanha Sanches, há cerca de um mês, entristeceu-me… Não tenho agora grandes palavras para explicar porquê … Direi tão só que compreenderá esse meu sentimento quem lê este blog e sabe do homem, do académico e do cidadão que era Saldanha Sanches. Reconhecido como um dos maiores especialistas portugueses na área do direito fiscal, Saldanha Sanches "chumbou" nas suas Provas de Agregação, em 27 de Junho de 2007, numa votação secreta... em que ninguém tem que dar a cara para se justificar. Não chegaria nunca a… jamais poderia ser Professor Catedrático.

No passado 10 de Junho, Saldanha Sanches foi condecorado... a título póstumo, como Grande Oficial da Ordem da Liberdade. Como disse Maria José Morgado, a esposa, após a condecoração ter sido recebida pela filha de ambos, Saldanha Sanches permanece entre nós, pela mão dos homens e mulheres que se conduzem e lutam pelos valores e princípios que nortearam a sua vida: valores de liberdade, de justiça, de honestidade, de ética, de honradez, de cidadania activa e de compromisso pessoal com o interesse comum. E também da coragem e da indignação que punha na afirmação de tais valores.

São boas razões para uma condecoração… apesar de a título póstumo, no dia de Portugal. Isso me conforta por estes dias de tristeza e indignação perante a recompensa da mentira e do embuste.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

E na UM como é? Exijo uma resposta clara.

No Público:

A direcção da Escola Básica 2,3 de Fitares, em Sintra, onde foi foi aberto um inquérito pela Inspecção-Geral da Educação (IGE) para averiguar a alegada ligação entre o suicídio de um professor e a indisciplina dos seus alunos, decidiu dar agora seguimento a pelo menos 11 queixas que os docentes fizeram (...) e que, até agora, não tinham sido encaminhadas.
[...]

A morte de Luís [professor] foi noticiada a 12 de Março pelo PÚBLICO, dia em que a IGE decidiu abrir o inquérito. Na mesma altura, alguns docentes denunciaram o facto de a direcção não dar seguimento às participações disciplinares e a IGE recebeu pelo menos três queixas sobre o caso. Do livro de ponto da turma de que Luís mais se queixava constam, até Fevereiro, 12 participações.


E EU PERGUNTO:

E na UM, com o seu estatuto de Autonomia, o que é feito das variadíssimas queixas que apresentei em relação a vários Professores Catedráticos, que, agiram de forma concertada ao longo de muitos anos, para destruir a minha saúde e a minha carreira? Está absolutamente provado que atentaram contra meus direitos legítimos, de forma deliberada e continuada, em total violação da legalidade. A indiferença da instituição foi total.

Eu não me suicidei, deixando caminho aberto para que se lance sobre o desaparecido a responsabilidade pela sua pouca sorte, como se tem visto. Não, eu estou cá, suficientemente vivo para que exigir que a justiça se faça.

EXIJO UMA RESPOSTA CLARA QUE POSSA RESSARCIR-ME, PELO MENOS EM PARTE, DOS IRREVERSSÍVEIS DANOS QUE ME FORAM CAUSADOS.


domingo, 16 de maio de 2010

“Homens doutos, hirtos, de toga e de capelo”, do alto dos seus cadeirões...

Nos tempos que correm, mais de 4 séculos após o nascimento de Galileu, têm ainda uma grande expressão nas universidades portuguesas a chamada autoridade aristotélica como critério de “validação/avaliação científica”. Ou seja, o poder pessoal de julgar (pouco importa como aí se chega) o que tem qualidade ou é científico, relega para segundo plano a análise do rigor dos resultados de uma investigação e da validade da interpretação dos mesmos. A autoridade aristotélica a que nos queremos referir é a sua pior degenerescência: é o poder de julgar na inversa proporção do quadrado da competência para julgar. Por maiores que sejam os dislates, ouve-se frequentemente “o júri é soberano e decidiu!” É em determinadas áreas, com paradigmas ainda incipientes, que isto mais acontece. Aí aplica-se o paradigma do “vale tudo” na linha do relativismo epistemológico radical de Feyerabend. Muito do que se diz ser "científico" nas universidades não passa de uma paródia de palavras ocas, uma fraseologia obtusa e pseudo-académica.

Isso dá azo a carreiras académicas que não são de facto carreiras de mérito; são antes processos de ascensão a patamares de poder crescente por via de tácticas e estratégias, recheadas de uma panóplia de truques e expedientes. E quando assim é, sendo o salto maior que a perna, é fundamental o jogo da propaganda - muitos eventos, aparecer o mais possível, contactos “internacionais”, fazer o nome circular das mais variadas formas, encomendar bajuladores de serviço para o elogio gratuito, traficar influências para obtenção de prémios e honrarias vãs... Tudo isto é um plano meticulosamente executado para cultivar a aura do susposto génio, "legitimando-se" assim o exercício da autoridade aristotélica: poder equivalente a autoridade científica. (São "génios" capazes de inconfessáveis patifarias no silêncio das catacumbas.)


Ora, à semelhança do marasmo atávico da filosofia e da ciência durante a Idade Média, por via do peso da tradição aristotélica, também hoje, as áreas de conhecimento onde imperam as lógicas de poder como processo de legitimação do saber, estão condenadas ao dogmatismo imune à realidade que supostamente seria o seu objecto de estudo. Desse ponto de vista, muito do que se observa na Educação é arrepiante: a prolixa e abundante peroração só pode ser a expressão da estagnação e da demagogia. Às veleidades da inovação e da diferença, os “homens doutos, hirtos, de toga e de capelo” encarregam-se de expurgar as ovelhas desalinhadas do rebanho; porque a inovação fecunda tira-lhes o chão de baixo dos pés, fazendo-os cair com estrondo do alto dos seus cadeirões.

Para que possamos ter uma visão superior, do alto da falésia, vale a pena ver e ouvir o Poema para Galileu, de António Gedeão, declamado pelo próprio em:

http://www.youtube.com/watch?v=PJTu5KM3UG4

Ou então ler:

Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu, e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.