segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O PROCESSO DE BOLONHA: a construção da autonomia na aprendizagem no ensino superior

No Portal da Universidade do Minho, sob o título Bolonha – Faqs, lê-se o seguinte:

"Apesar da ideia generalizada de que Bolonha tem apenas a ver com a duração dos cursos, as mudanças que vão ocorrer no ensino Superior são muito mais profundas e têm consequências muito mais importantes, que mudam por completo o modelo de ensino que tem vindo a ser praticado na universidades. Desde logo, as metodologias de ensino/aprendizagem estão a ser completamente reformuladas, dando maior ênfase ao trabalho do aluno e introduzindo a aprendizagem à distância, a aprendizagem activa, a aprendizagem baseada na solução de problemas, orientada a projectos, entre outras. Assim, por contraposição a uma forma de ensino mais passiva e assente na transmissão de conhecimentos, está a ser implementado um modelo de ensino/aprendizagem mais participado, mais atractivo para os alunos e mais centrado na aquisição de competências. Estas exigências obrigam a um maior acompanhamento dos alunos por parte dos professores e um permanente investimento na melhoria da qualidade."

Esta filosofia de ensino, que há muito vem sendo defendida, no plano teórico, tem tido afinal muito reduzida expressão prática. O que se anuncia como o “novo paradigma” de Bolonha é sem dúvida algo complexo e de muito difícil concretização nas instituições de Ensino Superior.

Aos docentes e discentes exigem-se novas práticas, novos hábitos de trabalho e novas formas de relacionamento no processo de ensino-aprendizagem. Mas a questão central que tem que ser encarada é seguinte: os novos papéis a assumir pelos alunos só poderão ocorrer se forem induzidos pelos docentes. A aprendizagem centrada no aluno não é algo que possa tornar-se realidade por via da concessão de mais tempo de estudo e mais espaço de participação, esperando-se que desse modo o aluno assuma maior protagonismo. A aprendizagem centrada no aluno e a autonomia são construções complexas de que o docente é um obreiro da maior importância. Entre outros factores, de facto “obrigam a um maior acompanhamento dos alunos por parte dos professores”.

- É isso possível?
- Vai acontecer?

A minha experiência permite destacar alguns aspectos da realidade sobre os quais é necessário intervir, tendo em vista a aproximação à filosofia preconizada pelo processo de Bolonha.

É necessário:

1. Promover uma ética de rigor, disciplina e responsabilidade, com vista a um trabalho quotidiano, metódico e organizado. Essa mentalidade precisa ser incutida desde o 1º ano e a manter de forma consistente ao longo de todo o curso. É no quadro desses valores que se promove o construtivismo na aprendizagem, sejam os alunos crianças ou adultos. Não tenhamos medo das palavras: só uma acção disciplinadora permitirá operar mudanças significativas nos hábitos profundamente arreigados dos alunos. A assinatura de trabalhos nos quais não se teve efectiva participação, o jogo de falsificações de assinaturas nas folhas de registo de frequência às aulas, o abandono da sala a meio das aulas, sem justificação, são algumas das práticas, entre outras, que não são compatíveis com uma ética de responsabilidade.

2. Promover hábitos de estudo regular, no acompanhamento das matérias, que facilitem o processo de transferência de conhecimentos de uma aula para a seguinte, bem como a possibilidade de esclarecimento e aprofundamento das questões, em tempo real, à medida que vão surgindo. Isso implica o recurso a tarefas concretas, mesmo que bastante limitadas, das quais os alunos devam prestar contas com regularidade.

3. Premiar de forma mais rigorosa o mérito de quem estuda e trabalha e penalizar quem é displicente ou tenta viver de forma parasitária à sombra de quem trabalha, nas várias actividades de grupo. As notas devem distribuir-se por um espectro mais alargado, discriminando de forma mais justa os diferentes níveis de mérito.

4. Sacudir a passividade e a atitude de reduzida disponibilidade para o esforço mental1, conduzindo as aulas de forma a questionar os alunos, promovendo hábitos de pensamento e de participação: preparar questões-chave para as aulas, chamar alunos individualmente para exporem ideias/conhecimentos à turma. Nos trabalhos de grupo, nas aulas presenciais, é necessário questionar e interpelar de forma directa alunos que se apresentam alheados ou na mera expectativa do trabalho dos outros.

5. Contrariar uma orientação de estudo e de preparação para os momentos de avaliação, baseado na memorização em detrimento da compreensão, da análise, da síntese e da avaliação crítica. Isso requer a socialização dos alunos no valor do pensamento genuíno, bem como do conhecimento expresso em palavras próprias, e, por outro lado, na desvalorização das manifestações de memorização mecanicista sem discurso nem reflexão próprios2.

6. Exigir nas várias situações de ensino-aprendizagem, qualquer que seja a unidade curricular, um esforço regular de comunicação oral e escrita adequadas, promovendo-se a linguagem como ferramenta de expressão e construção do pensamento, de ideias e de argumentos. Trata-se de modificar a situação actual de grande parte dos nossos alunos que apresentam um discurso oral muito pobre, sincopado, feito de proposições rudimentares e inacabadas e, por outro lado, um discurso escrito que se baseia na cópia das fontes disponíveis3.

7. Promover competências de utilização mais criteriosa e com sentido crítico das novas tecnologias. Na utilização das novas tecnologias pelos nossos alunos há uma acentuada tendência para se tomar a forma como substituto do conteúdo. Vêem-se trabalhos, de conteúdo pobre e inaceitável, com uma apresentação muito sofisticada, dos quais se depreende estar subjacente a crença de que a qualidade reside essencialmente no grafismo, nas cores, nos pictogramas, nas imagens, nos efeitos especiais de movimento, etc.

8. Repensar sobre o papel da Internet na formação. O fenómeno de utilização da Internet como um importante recurso ao serviço do copy-paste, sendo transcritos, de forma desgarrada e desconexa, conteúdos que os alunos não compreendem nem se dão ao trabalho de compreender, não tem nada de formativo.

Os aspectos atrás referidos consubstanciam-se em quatro dimensões transversais de um currículo de formação renovado dos nossos alunos:

a) promover uma ética de rigor, disciplina e responsabilidade;
b) promover o hábito de pensar, pelo questionamento;
c) promover as competências de comunicação oral e escrita;
d) promover competências de pesquisa e de análise crítica da informação.

Todavia, a lógica dominante de progressão na carreira não estimula os docentes a um esforço de melhoria da sua actividade docente e de dedicação aos seus alunos. No quadro da cultura institucional vigente, fazer da letra do processo de Bolonha uma realidade, é porventura pretender a quadratura do círculo. Mas... pelos alunos e pelo País façamos o que estiver ao nosso alcance.

1 É notória a falta de esforço mental para pensar genuinamente sobre conteúdos de grande simplicidade. Na leitura de um texto, para posterior reflexão, é frequente ver-se os alunos considerarem concluída a tarefa após a primeira leitura fugaz, como quem lê uma notícia de jornal, não sendo patente uma atitude de estudo: nova leitura, deter-se em partes do texto, sublinhar, tomar notas, pôr questões por iniciativa própria. E depois, quando se pretende iniciar a discussão, confrontamo-nos com o silêncio e uma grande dificuldade de expressão das ideias contidas no texto.
2 É necessário dissuadir os alunos de uma acentuada tendência para abordarem as questões de avaliação debitando tudo quanto foi decorado (que pareça relacionar-se com a questão), supondo que ao docente cabe a responsabilidade de seleccionar a informação que responde à questão.
3 Para uma grande parte dos nossos alunos licenciados a realização de um trabalho de síntese a partir do estudo de diversas fontes bibliográficas é uma tarefa impossível.

PS: a moderação de comentários foi desactivada.

1 comentário:

LDS disse...

Boas!!

Sendo eu aluno da Universidade do Minho, de um curso de Engenharia que já está supostamente implementado segundo o "ideal" de Bolonha, permita-me apenas dizer algumas coisas.
Tem absoluta razão, quando diz que não há esforço por parte de alunos e professores, para que se dê o verdadeiro salto para o espírito de Bolonha. Existe um comodismo muito acentuado por parte de alunos e professores no que a novos métodos de estudo diz respeito.
Pela minha experiência pessoal, irá levar muito tempo até que esta cultura de "deixa andar", ande para a frente. Pelo que observo no dia a dia do meu curso, é nos trabalhos de grupo, que essa falta de vontade, e passividade perante desafios novos, sobressai mais. Posso dizer que fazer um trabalho de grupo, é um desafio enorme, não pelo trabalho em si, mas pela gestão da equipa de forma a que esta realmente trabalhe. Existe uma certa conivência dos professores porque estes preferem não se chatear do que repreender (realmente) um aluno que não faça nada dentro de um grupo, e existe uma conivência entre alunos, porque nenhum quer ser responsável por outro chumbar, porque pode criar um mal-estar posterior. Posso dizer que é uma espécie de ciclo, vicioso.
Ainda se estuda para as épocas de avaliação.
Ainda se deixam os trabalhos para a última da hora.
Ainda se dá mais tempo, a alguém que teve 2 meses para fazer um trabalho relativamente simples, só para não chumbar esse aluno.
É uma política de "deixa andar", os alunos apenas querem saber de ter uma nota para mostrar em casa, e poderem dizer que são Licenciados e m Engenharia, apesar de não perceberem nada daquilo que decoraram para os exames. E os professores apenas querem passar alunos, e se não os passam, as U.C. que leccionam passam a ser as "difíceis".
É muito muito mau ...


LDS